Não compramos mais como 20 anos atrás; em duas décadas, vivemos transformações de mais de 5
(Publicado originalmente em 27/07/21 no site https://administradores.com.br/noticias/a-democratizacao-da-tecnologia-e-a-fragmentacao-das-audiencias)
No final do século passado, anunciar era um processo relativamente mais simples. Para se chegar com uma mensagem ou comunicação para o consumidor nos anos 2000, bastava anunciar no horário nobre da principal emissora de televisão ou numa página do principal jornal local de cada cidade e, assim, era possível atingir boa parte do público desejado.
Era uma tarefa aparentemente sem muito segredo, no entanto, bastante custosa. Portanto, para poucos. As campanhas eram focadas em lares e o target era baseado no perfil demográfico e socioeconômico do público. De lá pra cá, muita coisa mudou.
Uma experiência real (e pessoal)
Sou um pai separado com dois filhos, um menino de 8 e uma menina de 12 anos. Assim como muitos garotos da idade deles, passam a maior parte do dia grudados em uma tela assistindo tutoriais no YouTube, jogando videogame, vendo dancinhas no TikTok ou filmetes no Reels. Eu, que quero ter um tempo de qualidade com os dois, tive uma ideia. Resolvi que assar bolos juntos poderia ser um bom passatempo para afastá-los dos eletrônicos.
Pra começar, corri atrás de receitas de bolo simples e fáceis de fazer. Porque colocar a mão na massa na cozinha, literalmente e definitivamente, não é o meu forte. Encontrei vários sites de receitas e fui atrás daquelas que me pareciam mais gostosas. Achei todo tipo de informação e, além de uma lista de ingredientes e utensílios usados na elaboração, pude ler avaliações e dicas de outros internautas em relação a cada uma das receitas.
Acontece que não entendo nada de batedeiras. Fui então pesquisar em sites de e-commerce e aqui pude comparar marcas e diversos modelos, com diferentes funcionalidades, preços e, de novo, avaliações.
Filtrei até encontrar aquelas que me pareciam mais simples de operar, seguras e com preços acessíveis. Depois de minha pesquisa minuciosa, tinha elegido três ou quatro batedeiras que me interessaram e atendiam aos meus requisitos iniciais.
Assisti aos vídeos de testes e avaliações dos modelos escolhidos e ainda assim fiquei entre dois deles de duas diferentes marcas. Chegou a hora de ativar minha rede social e consultar meus parentes e amigos que gostam de cozinhar (eu sou mesmo um zero à esquerda na cozinha).
Depois de fazer minhas consultas, defini a marca da batedeira e fui comparar os preços e prazos de entrega em sites especializados. Preferi comprar uma um pouco mais cara, mas com um prazo de entrega melhor, num aplicativo de comércio eletrônico.
E assim chegou nosso novo brinquedo. Após ver instruções em vídeo de como operar a nova máquina, fizemos nossa primeira receita de bolo de baunilha. E adivinha? Não ficou nada mal.
Disclaimer: depois de mais quatro receitas de bolo, a batedeira foi abandonada num canto do armário e agora estamos pensando em revendê-la em algum site de classificados.
Como teria sido este processo há 20 anos?
Provavelmente eu teria conversado com meus parentes mais próximos sobre modelos e eles teriam me passado suas opiniões pessoais; eu teria ido até uma loja de departamento e acompanhado um vendedor comparando diferentes produtos; escolhido um modelo de alguma marca que confio e com o preço mais acessível. Depois disso, precisaria ler o manual antes de colocar o time em campo.
Hoje, da necessidade de um produto até o uso efetivo, o consumidor tem acesso e utiliza um arsenal de ferramentas e informações sem precedentes. Estamos falando de diferentes sites de vídeo, de pesquisa, grupos de discussões, redes sociais, comparadores de preço, blogs com avaliações e demonstrações, aplicativos e assim por diante.
O que mudou de lá pra cá pras experiências serem tão distintas
O acesso à tecnologia e à informação foi democratizado. A internet já existia antes, mas o conteúdo era escasso, as redes sociais ainda não tinham dado as caras e não éramos tão acostumados assim a comprar online. Não compramos mais como 20 anos atrás. Mesmo que a compra efetivamente aconteça numa loja física, o processo de decisão que leva até o momento da compra esconde, na maioria das vezes, um complexo percurso anterior de embasamento de decisão no digital.
Como foi que chegamos até aqui
Lá se vão 20 anos de século XXI e muita coisa mudou. Arrisco dizer que em duas décadas vivemos transformações de mais de 5. E nos últimos 10 meses saltamos o que provavelmente demoraríamos 10 anos pra caminhar.
Temos uma verdadeira avalanche de canais e sinais que chegam em momentos específicos, de diversas maneiras e com diferentes mensagens. O número de pontos de contato saiu de meia dúzia para dezenas. Temos mais smartphones que cidadãos no Brasil.
Não só a audiência foi fragmentada em diferentes canais, mas também seus perfis e preferências mudam a cada instante. O mesmo Alexandre de 48 anos que trabalha com marketing e publicidade há pelo menos 25, nunca parou de estudar, está no Instagram se atualizando por onde andam os amigos, no Facebook em algum grupo de discussão sobre Nietzsche, na Netflix atrás de um novo documentário, no WhatsApp colocando o papo em dia com a família e no YouTube aprendendo a lavar a louça sem ter dor nas costas (spoiler: basta colocar um apoio para um dos pés).
A guerra pela atenção
Enquanto a audiência está fragmentada, o nosso desafio de vencer a guerra pela atenção do consumidor, que está cada vez mais exigente e menos fiel às marcas, é muito maior.
Segundo dados da Agência Brasil, mais de 71% dos brasileiros têm acesso à internet atualmente. As pessoas consomem conteúdo nos mais variados lugares, inúmeras redes sociais que a cada dia ganham novo canal, como o TikTok – e, em breve, certamente teremos novos nomes.
Celulares, redes sociais, grupos de discussão, aplicativos de mensagem… parece que tudo sempre foi assim. Eu poderia ser um espectador do seu programa de TV, mas o melhor que a empresa poderia fazer seria identificar onde estou, a que horas estou ligado e qual o meu perfil – o que as empresas de tecnologia conseguem hoje.
Da fragmentação da audiência veio então a fragmentação das preferências
Chegamos à diversificação de gostos e preferências, como num longtail. Um confrontamento entre as ciências baseada em hipóteses e a baseada em dados. A Netflix, por exemplo, descobriu que recomendar para sua audiência considerando demografia já não funcionava mais. Embora não revele detalhes sobre seu algoritmo por razões competitivas, afirmaram à Fortune que “os espectadores são agrupados em ‘clusters'” quase exclusivamente por gosto, e suas páginas destacam a fatia relativamente pequena de conteúdo que corresponde ao seu perfil. Assim, uma moça jovem do interior do Texas pode ter os mesmos gostos e, portanto, recomendações similares às de um senhor no Chile.
Em 2019, mais de 500 horas de vídeo foram publicadas a cada minuto. A jornada do consumidor fica cada vez mais complexa, com pontos de contato se multiplicando ao longo dos dias e semanas, e uma relação fluida entre descoberta on-line e ação off-line.
Por isso, hoje se fala tanto em experiência do consumidor, a nova sigla que você já deve ter visto por aí, o CX. Não é algo novo, mas uma resposta àquele cliente que chegou. E consumiu. É como se a empresa dissesse: estou te vendo, me importo muito com você e quero te dar suporte em todas as etapas. Um obrigado dito de várias formas, com “volte sempr”” e sorriso no rosto na saída, na tentativa da tão sonhada fidelização.
Obs.: Ainda tenho uma batedeira novinha que pode ser a sua próxima aventura na cozinha, enquanto escuta seu podcast preferido.
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